21 de outubro de 2015

2. MOATIZE 1973 - MULHERES DE MAQUINISTAS BLOQUEARAM PARTIDA DE COMBOIO – REIVINDICAVAM MAIOR PROTEÇÃO NA LINHA FERROVIÁRIA (Deolinda Costa - de Bustos - foi uma das manifestantes)




Deolinda Costa (de Bustos, Aveiro) foi uma das manifestantes


«Em Moçambique [...] também nas linhas férreas da Beira e de Nacala foram implantadas minas, que dificultaram o transporte de mercadorias e reabastecimentos, obrigando a complexas e desgastantes operações de escolta».

A Barragem de Cahora Bassa sendo um megaprojeto do regime colonial com a finalidade de absorver milhares e milhares de portugueses e de criar uma fronteira  de isolamento do inimigo, a FRELIMO teve a consciência do impacto que teria em Moçambique a consecução deste empreendimento e, sem mais demoras os nacionalistas concentraram as suas ações de propaganda e de guerrilha «grosso modo» na zona de Tete e no corredor da Beira na tentativa de impedir ou retardar a construção daquele complexo hidroelétrico. A FRELIMO privilegiou a sabotagem das linhas de caminho-de-ferro, com a implantação de minas, cuja deflagração produziu efeitos destrutivos de enorme monta, normalmente acrescidos de mortes, amputações e outros ferimentos e demoradas operações de evacuação, de montagem de segurança, de desencarceramento e de recolhas de salvados, etc,... para além de abater «o moral da tropa que estava no terreno».


Moatize (1973) - Manifestação de Mulheres de Maquinistas exigem maior proteção na circulação de comboios 
No troço ferroviário Moatize – Mutara, em 1973, por efeito de explosões das fatídicas de duas minas, trouxeram o luto à família de dois maquinistas e a deflagração de uma terceira mina matou o ajudante de fogueiro, tendo escapado o maquinista Basílio Crespo.


As mulheres dos maquinistas viviam em permanente sobressalto, pois cada serviço de maquinista era prenúncio de ‘viagem para a Morte’. E como não estavam dispostas a ver os maridos serem «despachados» como “carne para canhão”, certa manhã, vai de se manifestarem à frente da locomotiva de um comboio que tinha acabado de chegar à estação de Moatize e que “seguia para Mutarara” (Gina).
Exigiam que a tropa fizesse melhor proteção na circulação da linha.


Zona de Moatize.1973. Comboio. Efeito de Mina. Foto cedida por Basílio Crespo
O chefe da estação informa telefonicamente a ocorrência aos superiores. E aguarda-se a resposta.
Deolinda recorda-se que um “diretor” dos caminhos-de-ferro da Beira deslocou-se propositadamente a Moatize para negociar com as manifestantes em que este “pediu para deixar passar o comboio”, (Deolinda)

Moçambique, 1973 - Próximo de Moatize – um local de abastecimento de água - As minas da FRELIMO na guerra colonial (um aspeto) Fotos cedidas por Basílio Crespo
Gina, que tinha acompanhado a mãe, tem em mente que “a manifestação durou dois dias, estivemos em frente às máquinas, nas linhas, até que o Inspector chegasse e nos desse soluções”.
Chegado da Beira o Negociador enviado pela Companhia dos caminhos-de-ferro, logo  tentou que as manifestantes “deixassem passar o comboio” (Deolinda).
A resposta foi firme – “o comboio não seguia viagem enquanto não deitassem a tropa a andar à frente, com uma zorra” (Deolinda). 
A manifestação só foi desmobilizada ao segundo dia (segundo Gina Crespo) quando foi cumprida a exigência reclamada: melhor proteção na circulação ferroviária.
*
A estratégia da FRELIMO em semear minas nas vias férreas de acesso á Zona de Tete a fim de retardar o fornecimento de materiais necessários à construção da Barragem de Cahora Bassa foi defensivamente contornada pelas tropas portuguesas conforme espelha o artigo do Tenente-generalAbel Cabral Couto (1): “à adopção de mais rigorosas medidas de segurança, que incluíam o recurso a patrulhas de abertura em zorras blindadas e a um planeamento militar de cada movimento.”


FRELIMO «NEUTRALIZA FORTEMENTE» A PONTE EXCLUSIVAMENTE FERROVIÁRIA DE DONA ANA - MUTARARA




Mesmo com esta contra-estratégia adotada pelas Forças Portuguesas, “a situação foi-se agravando de tal forma que a circulação ferroviária foi cancelada, em meados de 1973. Quando, em fins de Set 73, terminei a minha comissão, a FRELIMO chegara ao ponto de neutralizar fortemente a ponte de Mutarara, para desdouro da CCaç ali instalada”(1)
A manifestação não foi em vão. As Mulheres dos Maquinistas conseguiram evitar que os Maridos (e os ajudantes de fogueiro) deixassem de ser «carne para canhão», na versão ferroviária.
A minha homenagem,
sérgio micaelo ferreira
………………………………
SIGLAS:
CCaç - Companhia de Caçadores
FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique
Set - setembro
.....
 (1) Tenente-general Abel Cabral Couto,  A segurança do empreendimento de Cabora-Bassa (1970-1973), Revista Militar

a) - um obrigado a Deolinda Costa e Basílio Crespo e à Gina pelo contributo dado que tornou possível a construção deste postal e que não passa de breve esquisso de um feito de mulheres em pleno centro da guerra e teve consequência direta na defesa da integridade física dos ferroviários e por associação aos ajudantes de fogueiro que estavam de serviço nas linhas de alto risco dos caminhos-de-ferro de Moçambique.
b) – são devidos créditos  às entidades expostas na internet  e aqui copiadas.
c) as fotografias dos salvados do comboio foram tiradas pelos serviços militares.
  srg

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