8 de junho de 2015

A FEIRA REPUBLICANA, O PRESIDENTE E O BURRO


Na passada sexta feira à noite fui à Feira Republicana. Precisava de ver com os meus próprios olhos. Mas algo de inexplicável aconteceu mal entrei no recinto onde fui recebido por uma simpática rapariga que vendia regueifas. 

Espreito à direita e que vejo eu, um Rolls Royce de 1920. O carro exibia lateralmente a bandeira inglesa e logo me pareceu, mera suposição, de que se tratava de uma subtil referência ao Ultimato Inglês, afinal a Feira anunciava-se como uma “reconstituição histórica.”

Alguns passos em frente e deparo com um burro preso a uma árvore. Talvez por ter a inexplicável sensação de ter entrado no mundo da fábula senti que o burro de orelhas esticadas e olhar sofredor queria falar comigo, desabafar. Há depoimentos que um  repórter não pode ignorar pelo que encarei o animal com o respeito que me deve qualquer burro que se assuma e perguntei:
- O que fazes aqui ó Burro, tão só, com a corda que te prende tão enrolada que pareces vítima de tortura?
O animal sem esconder o cansaço respondeu:
- Sou burro e exibem-me nestas feiras medievais para que o povo ande por ai descansadamente a gastar dinheiro. Afinal o burro sou eu.
- Lá isso és, não te resta alternativa mas ao contrário do que dizes esta não é uma feira Medieval, é uma Feira Republicana.

- Ai é’! Dizes isso porque acabas de chegar. Então não vês ali o Mustafá e o primo do Tutankamon a vender malas, sacos, carteiras  e bugigangas, não vês as tasquinhas e os jogos para crianças… 
- Sim, mas esta é uma Feira Republicana.
- Ah! Mudaram-lhe o nome, pois compreendo, a Feira Medieval já não chamava ninguém…
- Estás a sugerir que isto não passa de uma aldrabice?
- Não, estou a dizer que isto que isto é um faz de conta, tão usual na política. Quando uma ideia se esgota e não há ideias novas o que é que se faz?
- Dá-se  um novo nome à ideia antiga.
- Isso mesmo, os senhores do marketing chamam-lhe Rebranding.
- Para burro estás bem informado.
- Já sou burro há muitos anos.
- Então e o que é que há para ver nesta noite de abertura? 
- Há uns atores a entreter as crianças e outros dois, já muito bêbados, andam por ai à procura de umas primas. A única animação é feita por um trio de bombos e gaita de foles. Tirando os petiscos o grande espetáculo da noite são os políticos que, mais emproados do que a rainha da Inglaterra montaram mesa no meio do recinto. Vestidos a preceito, envergam fitas verde rubras  sobre o peito e estão ali a comer a beber. A festa é um palco e eles representam…
- Representam?
- Sim, desde a cerimónia de abertura que fingem ser atores e terem muita importância. São como aqueles rapazinhos que aproveitam o carnaval para se vestirem de mulheres.
- Essa é dura. Então não percebes que os vários presidentes que estão naquela mesa são a elite local, o núcleo duro da nossa democracia.



- Elite local? – exclamou o burro com indignação. – A elite local são os homens e as mulheres que trabalham em cada uma dessas barraquinhas. Eles são apenas atores políticos, maus atores, até porque a grande maioria acha que a democracia é um aborrecimento.
- Exageras.
- Sim, chama-me burro! Sabes porque é que a mesa dos políticos está no centro do recinto e não tem qualquer cobertura.
- Não faço ideia.
- Porque num recinto fechado não havia espaço para egos tão inchados, para tanta vaidade junta…
- Pelo menos dão-se bem e respeitam-se…
Ao ouvir estas palavras o burro arrastou as patas traseiras, revirou por duas vezes o focinho lançou um zurro desesperado e gritou:
- Estás enganado, eles odeiam-se. O do topo da mesa, tirando os serviçais que lhe obedecem, não suporta aquela gente. Não suporta o que está na outra ponta da mesa, mas esse está longe, não incomoda muito. O pior é ter à direita aquele a quem não gosta de dirigir palavra… Estão ali reunidos os ingredientes para uma boa peça de teatro…
- Chega, estou farto de má língua. Adeus!








Segui caminho e depois de ter dado três voltas ao recinto da feira não pude deixar de pensar nas palavras do jumento. Vi partir os políticos, alguns de saquinho na mão e fiquei à espera das 23 horas para ver os anunciados Malabares de Fogo. É então que reparo que há um frenesim a percorrer as mesas das tasquinhas, pois corre um abaixo-assinado em defesa da instalação da Biblioteca na antiga escola primária. Assino. Como já são 23h30, está frio e não há sinais de fogo abandono o recinto. O Rolls Royce já tinha regressado à garagem, mas o burro continuava preso à árvore. Não pude deixar de lhe ir apresentar as minhas despedidas. Mal me viu logo perguntou: 
- Então o que me dizes da feira Republicana?
- Mais me parece uma farsa!
- Para mim, aqui enrolado a este plátano, é mais uma tragédia.
- Compreendo-te e até te dou razão. Isto não é uma feira, nem tem nada a ver com a economia, o comércio ou a vida das populações. Isto é uma mera ação propagandística…
- E para a propaganda nunca falta dinheiro ao Mário João.
- Cala-te asno. Não corras o risco de ficar sem o fardo de palha!


Belino Costa




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