22 de novembro de 2013

CRÓNICA: ENCONTRO LONGE DE CASA



Encontro Longe de Casa
 Por Alcides Freitas 


Esta é uma história verdadeira. Passou-se com dois homens, nascidos na mesma aldeia, onde eram vizinhos e amigos e onde partilharam a sua juventude, até que um dia se separaram pois cada um deles emigrou à procura de uma vida melhor. Vários anos se passaram sem saberem um do outro. Nem uma única noticia, até que um dia se reencontraram num lugar inesperado, em circunstâncias jamais imaginadas.
Manuel partiu de Bustos quando tinha dezassete anos de idade, foi juntar-se ao seu pai na Califórnia. Até então ele ganhava a vida a trabalhar na agricultura e nas pedreiras dos Fornos, acartando as pedras de calcário da mina para os fornos onde eram cozidas e transformadas em cal. Uma vida muito dura e sem grande futuro. Chegou à Califórnia quatro anos antes do início da Grande Depressão, em 1929. Um dia depois da sua chegada Manuel foi trabalhar para a agricultura, nos vastos campos do Central Valley. Ali também o trabalho era duro, começando antes do nascer do sol e terminando muito depois do pôr-do-sol. O salário era melhor do que estava acostumado a receber em Portugal mas todo o dinheiro não era bastante para pagar as mágoas da saudade. Este emprego durou cerca de três anos, até que se iniciou a Grande Depressão. Foi o começo de um período desastroso nos Estados Unidos.
Não havia trabalho nem dinheiro e muitos emigrantes portugueses decidiram voltar para Portugal. Para aqueles que ficaram o grande desafio era encontrar suficiente comida para sobreviver e procurar trabalho onde quer que fosse. Após meses e meses de uma angustiada procura Manuel voltou a arranjar emprego.
O seu novo emprego era numa companhia de açúcar a “California and Hawaiian Sugar Company – C&H”. Esta companhia, localizada na pequena cidade de Crockett, junto da Baia de São Francisco, foi criada para refinar açúcar cultivado nas Ilhas de Hawaii. O trabalho do Manuel consistia em operar uma máquina empilhadora que ele usava para transportar e empilhar sacos de açúcar num grande armazém. O trabalho era monótono e não requeria qualquer diálogo com os outros trabalhadores da fábrica, que não sabiam falar português. Mas era, sem qualquer dúvida, muito melhor do que o árduo trabalho nas terras.
Tudo corria sem sobressalto até que um dia, quando operava a sua máquina empilhadora no transporte dos sacos de açúcar o Manuel, perplexo, ouviu alguém cantar uma cantiga popular:“O Rosa arredonda a saia.O Rosa arredonda-a bem.”
Alvoroçado, desejoso de descobrir quem estaria a cantar melodia tão portuguesa, o Manuel treme, perde a concentração e a direcção do veículo indo embater contra um grande cano de água quente, o que resultou na destruição de muitas toneladas de açúcar. No meio de toda aquela confusão aparece o cantador. E quem era ele?
Era o Manuel Aires (mais conhecido em Bustos como Aires Gordo) amigo e vizinho do Manuel da Silva, também conhecido como Manuel da Maia ou das Carradas. Caíram nos braços um do outro. Havia anos que não se viam, mas naquele dia de trabalho em Crockett, Califórnia, a vinte mil quilómetros de casa, os amigos de infância reencontraram-se, graças a uma cantiga popular. 

(Publicado em Bustos do Passado e do Presente, 2004)

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