18 de maio de 2013

JORGE MICAELO NA PRIMEIRA PESSOA




Corria o ano de 2008 quando me encontrei com o Dr. Jorge Micaelo na sua casa em Bustos. Pude então revisitar o velho consultório, que mantinha equipado em memória de uma vida dedicada à medicina. Mostrou-me velhos instrumentos, fotografias, livros e falou-me de alguns dos momentos mais marcantes da sua vida como médico e cidadão.
Aqui fica esse registo e a minha sentida homenagem.

Belino Costa


1-Estudos

Fiz a Escola Primária aqui na casa ao lado da minha casa. Fui para a Escola aos sete anos, o meu pai foi-me levar. A professora sentou-me numa cadeira ao fundo da sala e não mais me dirigiu palavra. Ao intervalo voltei para casa e o meu pai perguntou-me, “o que é que estás aqui a fazer?”, respondi que me tinha vindo embora porque não estava na Escola a fazer nada. me obrigou a voltar… Esta é uma história de que me lembro bem.
Fui fazer a 4ª classe a Oliveira do Bairro. Estive dois anos no colégio de Oiã e depois fui para o Liceu de Aveiro, onde estive cinco anos e fiz sempre parte do orfeão.
Dos 120 alunos que em Julho de 1939 fizeram exame de admissão à Universidade eu fui um dos 50 que passei. Tinha 18 anos.
Aos 20 anos fiz a inspeção militar e fiquei apurado. Se reprovasse um ano sabia que seria incorporado. fiz o meu curso sem sobressalto e terminei em 1945.


 
Os anos de Coimbra (1939- 45) valeram ao jovem Jorge Nelson Simões Micaelo bem mais do que o curso de medicina. No convívio estudantil coimbrão ele descobriu a importância do associativismo e o prazer do canto. “Orfeonista e futebolista”, nos dizeres do livro de fim de curso que aproveitamos para aqui recordar:
 
Jorge Simões Micaelo
Nem é loiro nem moreno,
Desde a pele à cor do pelo,
Todo ele é caroteno.
 
É menos magro que gordo,
Nem é baixo, nem é alto;
Canta, assobia e ao falar,
O “R” tem um ressalto.
 
Tem processos infalíveis
P’ra nos fazer afinar;
Certos ditos, certas graças
Tudo … p’ra chatear.
 
No cinema, às matinées
Sempre escolhe as vizinhanças:
Umas lindas outras feias
Umas bravas…outras mansas.
 
É orfeonista e futebolista
Uma boa peça
Menina, aqui para nós:
- Interessa?
 
Ao velhoAlmirantecom um abraço oferece
Ramos Lopes



2- Médico da aldeia

Em 1946, como podia frequentar o Hospital da Universidade até Fevereiro o que é que eu fiz? Pensei: Eu vou ser médico da aldeia, vou é aproveitar estes meses e vou para a maternidade praticar partos. Assim fiz, o que me deu um novo alcance na minha vida profissional. Fiz centenas de partos
Comecei a fazer medicina por aqui, por Ouça, depois Palhaça e Nariz. Estive também em Oliveira do Bairro. Mais tarde o Dr. Pato pediu-me porque é que não me especializava como a anestesista que precisava de um. voltei para Coimbra para aprender.
Sempre gostei de ser médico mesmo no tempo das avenças. Agora toda a gente pensa em dinheiro, naquele tempo não. Havia uma ligação com as famílias que agradeciam o meu trabalho com milho, galinhas e outros bens.



3-Futebol

Nos meus tempos de estudante, era eu, o Neo Pato, o irmão, o Sérgio e outros, o pessoal de Bustos… e queríamos, nas férias, jogar futebol
Era director o Manuel Tavares da Silva, então um rapaz novo, quando fundámos os Azuis de Bustos, que se inscreveram logo nos campeonatos oficiais e ajudaram Bustos a desenvolver-se no campo desportivo. Eu vinha de Coimbra com o engenheiro Pato, vínhamos de comboio para jogarmos futebol e assim foi…Quando me formei entendi que era chegada a altura de fundar a União Desportiva de Bustos, porque sempre me preocupou a união do povo da minha terra. Com o Lino Rei foi o que fizemos, daí as duas mãos unidas debaixo da bola.

 
4-Associação de Beneficência e Cultura (ABC)

Todos os anos se faziam as comemorações do 18 de Fevereiro e havia duas comemorações, a oficial e a popular. Agora há a oficial. Este ano, por exemplo, não houve sequer um jantar. Entristeceu-me muito e vou dizer porquê: É que em 1978 houve um jantar do 18 de Fevereiro esteve o vice-presidente da Câmara, o Dr. Alberto da Palhaça que no final fez um discurso onde nos disse reparem nos votos do povo de Bustos, eles votam em todos os Partidos. Eu senti aquelas palavras como um sinal de desunião e foi que comecei a pensar em fazer qualquer que fosse a favor da união de todo o povo. A ideia de criar o ABC começou com as palavras do Dr. Alberto…
Andei a pensar em fazer uma reunião e em quem é que deveria convidar para essa reunião em minha casa, quem e em que dia. Cheguei à conclusão que só havia um dia em que ninguém iria negar vir a minha casa, era o 1 de Novembro, o dia de ir ao cemitério. Convidei o Rodolfo, o falecido Tenente José Coelho, o Miguel Barbosa, o Manuel Pernagorda, o Fernando Luzio, o José Luís, o Alcino Caetano da Rosa, o Hilário Costa, o Padre Teixeira, o Liberal  e todos vieram.
Comecei assim: Tenho muita pena meus senhores mas em Bustos nós temos dinheiro, mais nada! Vocês fizeram alguma coisa por Bustos pelo desenvolvimento de Bustos, pela união do povo de Bustos? Disse isto para os espicaçar e resultou. E fomos reunindo em segredo, avançando a ideia de comprarmos o Palacete do Visconde.
Eu conhecia a família do Cura Mariano e fui com uma comissão, foi num domingo de Páscoa e a família estava reunida em Águeda. Antes tínhamos feito uma reunião em minha casa e tínhamos chegado à conclusão que conseguíamos reunir seis mil contos. Comecei por perguntar se estavam dispostos a vender. Vendemos sim senhor, disseram, e eu apresentei a proposta dos seis mil contos, que foi aceite. não falámos nas condições de pagamento. Mas na segunda-feira de Páscoa telefonei a perguntar se tinham mudado de opinião. Disseram que não e eu respondi que também nós mantínhamos a intenção, mas que não tínhamos falado nas condições de pagamento. Pagam isso em 3 anos, dois mil contos por ano… e nós, sim senhor, aceitámos.



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