8 de dezembro de 2011

COIMBRA SALA DOS CAPELOS - XANANA GUSMÃO E MILTON COSTA MUTUAM ABRAÇO


UNIVERSIDADE DE COIMBRA

RAY KALA XANANA GUSMÃO

NO SEU DOUTORAMENTO HONORIS CAUSA
RECEBE ABRAÇO BUSTUENSE

Milton Costa e Xanana Gusmão

Foi pequena a Sala dos Capelos para acolher, no passado dia 28 de Setembro, todos os ilustres professores, convidados, amigos e demais individualidades que ali marcaram presença para participar na cerimónia do doutoramento honoris causa, grau atribuído pela Universidade de Coimbra, sob proposta da Faculdade de Letras, a Kay Rala Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro de Timor-Leste.

Foi com modéstia e de forma emocionada que o antigo líder da resistência timorense revelou a sua surpresa ao tomar conhecimento de tão alta distinção, «talvez pouco merecida», na vaga consciência de ser - unido outrora por cumplicidades – um estudante «ad eternum» da Faculdade de Direito.

Prosseguindo na sua alocução, apontou a liberdade como uma escolha de opções e que cada indivíduo a pode facilmente perder, com más escolhas, quando se deixa submeter à estandardização do colectivo, que leva a sociedade «à inacção de espírito e ao conformismo de atitudes.»

Apontou a sua crítica à globalização sob a ordem e os interesses de pequenos grupos poderosos, condenou a hipocrisia e a falta de valores humanistas que subjugam a liberdade, violentam os direitos humanos e impedem a justiça aos mais vulneráveis.

Afirmando viver-se hoje num mundo que, «no seu colectivo maior, perdeu o rumo» e «a subtileza do ser humano», Xanana apelou à necessidade de «muita coragem» para se efectuar uma inversão positiva, sendo agora os jovens «a promessa do futuro» que tarda.

Terminado o discurso, foi a vez do professor catedrático da Faculdade de Letras, José Augusto Cardoso Bernardes, fazer a apresentação do candidato proposto ao título pelo ensaísta Eduardo Lourenço.




Explicando a «parcimónia» com que a Faculdade de Letras concede distinções desta relevância, porquanto só as havia atribuído a Vergílio Ferreira e a José Saramago, o professor apresentou razões justificativas para mais esta excepção: «ser [Xanana] uma personalidade portadora de um crédito político da maior relevância e que impediu a absorção do seu país por uma potência vizinha». Dotado de «méritos carismáticos» e tendo atravessado diferentes metamorfoses, foi ainda poeta e pintor e decisivo o seu papel na consagração do Português como uma língua oficial na Constituição da República Democrática de Timor-Leste. Foi em Português que Xanana Gusmão, no período de luta contra o invasor do seu país, escreveu poesia, com especial destaque para a obra épica «Mauberíadas», cuja edição reporta ao ano de 1975.

O elogio ao apresentante do doutorando - Eduardo Lourenço - esteve a cargo de António Sousa Ribeiro, também professor catedrático da Faculdade de Letras, que, para além de enaltecer a figura e a obra do ensaísta, aproveitou para fazer uma chamada de atenção para os momentos difíceis que a universidade está a atravessar e cujo combate passa por uma maior ambição, não se confinando a uma «sobrevivência sem horizontes». «Essa universidade é possível», como mostram «os momentos que se estão a viver nesta sala»- acrescentou.

Recebidas as insígnias doutorais pelas mãos do magnífico reitor João Gabriel Silva, foi a vez de Xanana Gusmão percorrer o claustro doutoral para ser apresentado a cada um dos presentes, receber o respectivo abraço de felicitações e indo ocupar o seu lugar junto dos seus pares.

Registado ficou também o forte abraço entre o nosso conterrâneo, o bustuense Milton Costa, reconhecido investigador e professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia desta Universidade e o novo doutorado Kay Rala Xanana Gusmão.

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OH! LIBERDADE!

Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela ventania
que me abre a cortina do céu
e ver, do cimo dos meus montes,
o quadro roxo
de um perturbado nascer do sol
a leste de Timor

Se eu pudesse
pelos tórridos sóis
cavalgar embevecido
de encontro a mim mesmo
nas serenas planícies do capim
e sentir o cheiro de animais
bebendo das nascentes
que murmurariam no ar
lendas de Timor

Se eu pudesse
pelas tardes de calma
sentir o cansaço
da natureza sensual
espreguiçando-se no seu suor
e ouvir contar as canseiras
sob os risos
das crianças nuas e descalças

de todo o Timor

Se eu pudesse
ao entardecer das ondas
caminhar pela areia
entregue a mim mesmo
no enlevo molhado da brisa
e tocar a imensidão do mar
num sopro da alma
que permita meditar o futuro
da ilha de Timor

Se eu pudesse
ao cantar dos grilos
falar para a lua
pelas janelas da noite
e contar-lhe romances do povo
a união inviolável dos corpos
para criar filhos
e ensinar-lhes a crescer e a amar
a Pátria Timor!

texto e fotos, Irene Micaelo

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