1 de julho de 2010

MARÉ ALTA: LEMBRANÇAS DO PASSADO (A POUCO DIFUSA) RÉCITA INFANTIL




A récita Infantil idealizada, coordenada e ensaiada pelo então recém formado padre Alfredo Rei em mil novecentos e quarenta e nove (1949)marcou profundamente o início de minha adolescência. E atrevo-me a dizer que, embora efêmera, marcou com simplória ternura, um momento da vida artística dessa nossa terra bustuense. Com o seu projetado objetivo iniciado no primeiro semestre daquele ano, o evento teve sua conseqüente
apresentação no clube de Bustos, depois de quatro ou cinco meses de ensaios semanais. O programa compreendia uma diversidade de quadros em que se intercalavam bailados folclóricos, cantos solo e esquetes quase todos, humorísticos.


Os pequenos artistas variavam de idade que se situava entre oito e quinze anos. Alguns dos componentes figuravam em mais de uma encenação:
Canto e quadro; canto e bailado; Bailado e quadro; Canto, bailado e quadro. Houve partes especiais com trajes típicos e cantos brasileiros, apresentadas pelos filhos (as) de um senhor Mota morador nas Coladas, que retornara do Brasil com a família, para viver em definitivo, no seu Bustos.

Filhos e filhas do sacristão; Felipe Rei e sua irmã; Os brasileiros citados; Isaura Vieira; Aidinha Ferreira; Um dos menores artistas, sobrinho do Chico Gueso (morador no cabeço, visinho de Reis Pedreiras); Samagaio da Azurveira são alguns dos participantes que guardo na lembrança, além do meu par feminino, cujo nome sumiu de minha memória: Filha única, era da Póvoa, morando na rua principal, depois do largo dos Moras.


A récita infantil de Bustos, cuja receita apurada era destinada à Igreja, foi também representada no Troviscal e depois, atendendo a pedidos, novamente levada ao palco no Clube de Bustos. Muitos dos que já haviam assistido foram de novo. Muito mais os que ainda não haviam visto a récita, graças aos comentários favoravelmente elogiosos, compareceram em massa, lotando mais uma vez aquela casa de espetáculos. Meu imaginário guardou a idéia de que cada quadro, cada cantar, cada bailado, ficou para sempre gravado na memória dos que assistiram á demonstração artística dos pequenos notáveis.



Quando do segundo jantar (1993) dos alunos da freguesia que concluíram o primário em 1947, na hora da saudade, de repente, Samagaio referiu-se a uma Récita Infantil em que tomara parte, mas não se lembrava de nenhum dos participantes. Antes que eu me manifestasse, Arcílio Barreiro, de saudosa memória, antecipando-se começou a cantar:

Não vás ao mar Tónio,
Hum... Hum!
O mar é bravo Tónio,
Hum... Hum!
Podes morrer Tónio...
Ai Tónio, Tónio!
Não vás ao mar, não vás...
Ai Tónio, Tónio!
Sabe Deus se voltarás...


Pode parecer pedante de minha parte, mas é fato que fiquei marcado por este quadro de pescador!

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Em mil novecentos e setenta e um (1971), após precisamente 20 anos de ausência, voltei pela vez primeira em visita, à minha terra natal: Bustos.
Um parente residente aqui no Brasil pedira-me para fazer uma visita a sua idosa mãe, que se encontrava doente, em Portugal. Logo na primeira semana na terra, tratei de entrar em contato com a família daquele meu aparentado, a fim de marcar o dia da visita que me comprometera realizar, tendo consciência que a melhor hora seria à noite, já que durante o dia, normalmente, as pessoas ocupavam-se com o trabalho do campo.
No dia marcado, fui brindado com uma lauda ceia a lembrar dos tempos de criança: Uma baciada de batatas, couves, e bacalhau, regado a um bom azeite e o irrecusável vinho tinto da casa. A conversa rolou cheia de amenidades até eu poder encontrar o momento oportuno para expor o principal motivo daquela minha visita, sucedendo-se uma série de lacónicas informações sobre a respectiva progenitora, onde havia uma explicita intenção de dizê-la já muito senil e desmiolada.



Não obstante, insisti em vê-la para poder dar uma satisfação ao parente do Brasil. Depois de muita relutância, finalmente convenci meus anfitriões a me levarem até junto da idosa.
Vou poupar-me de descrever as descuidadas quanto miseráveis condições em que se encontrava aquele ente familiar. Enquanto me apresentavam a ela, filho e nora de frente para mim, através de gestos iam me reafirmando o que já me haviam dito por palavras: Que aquela criatura já não regulava da cabeça tendo perdido a noção do tempo e quaisquer lembranças do passado, não reconhecendo mais ninguém. De repente aquele ser humano, que mais parecia apenas uma junção de pele e ossos, cabelos grisalhos, desalinhados, bastante compridos a lhe cobrirem os ombros, ergueu-se apoiado nos braços descarnados e, fixando-me, começou a cantar:

Não vás ao mar Tónio,
Hum... Hum!
O mar é bravo Tónio,
Hum... Hum!
Podes morrer Tónio...
Ai Tónio, Tónio!
Não vás ao mar, não vás...
Ai Tónio, Tónio!
Sabe Deus se voltarás...


Esta inesperada e surpreendente manifestação de memória foi um dos mais emocionantes momentos já vividos por mim!

Aristides C. Arrais

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