24 de janeiro de 2009

ANTÓNIO SÉRGIO, PENSADOR

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António Sérgio de Sousa
(Damão, 3 Setembro'1883 - Lisboa, 24 Janeiro'1969)

Interpretação não romântica do sebastianismo

Em resumo, a hipótese que vos proponho é a seguinte: o messianismo português (de que o sebastianismo é uma fase) originou-se, não de uma psicologia de raça (segundo se afirma unanimemente desde Teófilo e Oliveira Martins) mas sim de condições sociais semelhantes às dos Judeus, reforçadas pelas ideias do messianismo dos Judeus e pela mentalidade de eclesiásticos barrocos educados na leitura dos profetas da Bíblia e na interpretação profética e tipológica dos trechos da mesma Bíblia; essas condições vêm a resumir-se para vos falar como teólogos, numa consciência de «queda», acompanhada da falta de verdadeira independência; com a continuidade de tais condições vemos seguir paralelamente a da tradição do bandarrismo. A esperança num Messias, num Desejado, num Redentor, é comum a tidasa as raças; «c’était une maxime chez les Indiens et les Chinois» - notava Voltaire - «qu’il viendrait de l’Occident; l’Europe, au contraire, disait qu’il viendrait de l’Orient»: mas a situação social e mental dos Judeus e dos Portugueses intensificava nestes dois povos a tendência comum a todos.
(…)
(…) Em Portugal o messianismo terá vida (ou poderá tê-la) enquanto se impuser a este povo, a contrapor à sua fictícia e tão efémera grandeza, o espectáculo persistente da sua lúgubre decadência, acrescido à falta de uma boa élite – que lhe dê ensino de racionalismo de método, de clareza mental. E creio que na reforma da mentalidade, indispensável neste momento, em salvadora reacção contra os fumos do romantismo, um dos nossos lemas deverá ser este: não, senhores, não nascemos sebastianistas – e não queremos, positivamente não queremos, viver como se o fôssemos!


(António Sérgio, Ensaios ... )

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