4 de março de 2008

CONFRARIAS E LEITÃO ASSADO

A História
A partir do séc. XII eram usuais no reino as Confrarias ou associações de cidadãos dedicadas à caridade e assistência dos mais desfavorecidos dentre os seus.
Tal como as Corporações dos Ofícios, estas uma espécie de sindicatos medievais dos vários ramos profissionais, as confrarias representavam na idade média aquilo que passou a ser o movimento associativo e o corporativismo dos nossos dias.
A mais famosa confraria (em rigor, irmandade) foi e continua a ser a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, criada em 1498 pela mão régia de D. Leonor, rainha viúva de D. João II.
A grande distinção entre ambas as instituições medievais reside nos seus destinatários: enquanto as Confrarias estavam viradas para o seu interior – os confrades, que eram sempre profissionais do mesmo ofício –, as Misericórdias estavam abertas a todas as pessoas, sem qualquer discriminação de sexo ou profissões, classes ou condições sociais.

As confrarias dos nossos dias
Nos dias de hoje e com especial incidência na gastronomia, há confrarias para todos os gostos: do vinho, da cerveja, dos vários queijos, da chanfana, do bacalhau, da broa, das tripas à moda do Porto e até dos deliciosos maranhos, ou seja, de tudo quanto é bom de comer e beber.
Vive-se uma espécie de solidariedade gustativa, virada para a preservação dos sabores e paladares herdados dos nossos antepassados.
A capa ou gabão, o chapéu e a insígnia são os sinais mais marcantes dos confrades, preservando uma tradição que já vêm dos tempos medievais. Muito próprios são também os rituais que acompanham as suas reuniões ou “capítulos”.

Pois foi ao 30º aniversário e 2º Capítulo da Confraria Gastronómica do Leitão da Bairrada que eu e o meu confrade de escritório tivemos o prazer de assistir no passado sábado como convidados.
É do que vos proponho falar, aqui do soberbo Palace Hotel do Buçaco, paraíso terrestre onde teve lugar o evento.
Esta Confraria do nosso leitão congrega 33 fundadores, tudo gente dos concelhos de Oliveira do Bairro, Anadia, Águeda, Mealhada e Cantanhede, que vem estando na linha da frente pela criação da zona demarcada do leitão assado à moda da Bairrada. Como é bom de ver, nos seus objectivos estatutários está a defesa do nosso leitão assado e da sua confecção tradicional.
Foram dois os pontos altos do capítulo: a entronização de dois confrades - um de mérito e outro honorário - e a participação do nosso VIV’ARTE, sobre quem já dissemos muito
AQUI. Aconselho mesmo um clique na azulada hiperligação para ficar a saber quase tudo sobre tão boa gente das nossas gentes.
Sua Majestade, o Rei!
Todos as entradas e pratos servidos no Buçaco beberam a sua matriz nos ingredientes do famoso bácoro. Degustada a cabidela, foi com toda a pompa e circunstância medievais que deu entrada no magnífico salão nobre SUA MAGESTADE, O REI. Sim, ele mesmo, o nosso Rei, todo ele esguio e bem tostadinho pelo calor das vides dos nossos fornos, como mandam as regras e a boa tradição!

No meio de tão cativante convívio, confesso que me seduziu especialmente a intervenção do famoso mestre de cozinha, Chefe Helmut Ziebell, entronizado como Confrade de Honra.
Nascido em 1939 numa pequena vila de Áustria, o Chefe descende duma família ligada às artes culinárias. O fascínio por Portugal e pela sua culinária acompanhava-o desde pequeno, pelo que acaba por fixar-se entre nós em 1964 como cozinheiro do Hotel Ritz, onde termina a carreira como chefe executivo. É o único cozinheiro em Portugal com um prédio com o seu nome – o Prémio Inovação Helmut Ziegell.


E eis como, quase sem querer, se fala das novas pides
O Presidente da Direcção da confraria do delicioso bácoro, o sangalhense António Duque, resolveu terçar tímidas armas com os D. Godofredos dos nossos dias, esses personagens medievais que parecem ter renascido das cinzas e se dão ares de quem sabe governar o Reino.
Muito a propósito, lembrou o risco que corremos em perder o genuíno leitão assado, mercê da rigidez da legislação em vigor. Daí as perguntas que deixou no ar: que futuro terá a gastronomia tradicional portuguesa? Que será dos valores culturais dessa gastronomia?

Termino, lembrando que os regulamentos comunitários admitem uma flexibilidade das suas normas, chegando a apontar para as boas práticas de higiene em substituição da chamada “monitorização dos pontos críticos de controlo”.
Por exemplo, o Regulamento da Comunidade n.º 852/2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios, admite que aquela flexibilidade “é também apropriada para permitir a continuação da utilização de métodos tradicionais em qualquer das fases de produção e em relação aos requisitos estruturais para os estabelecimentos.
Daí que o legislador comunitário convide os Estados Membros a estabelecer normas orientadoras que tenham em conta as especificidades de cada um deles.
Mas Portugal sempre gostou de se armar em bom aluno e daí a subserviência com que aplica às cegas os regulamentos comunitários.
E como não gostamos de fazer trabalho de casa, normas orientadoras que tenham em conta as especificidades de cada região e a diferenciação entre pequenas, médias e grandes empresas, nem vê-las, quanto mais lê-las!
Leva tudo pela medida grande, à boa maneira da pidesca ASAE!
Por este andar, não há confraria gastronómica que nos valha…

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oscardebustos

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