2 de novembro de 2007

O SEGREDO DE MARIA CANIÇA


A Ti Maria Caniça, da Quinta do Gordo, era uma daquelas mulheres para quem não havia dias de descanso. Fosse domingo ou feriado não havia festa ou arraial onde ela não montasse banca para vender a goluseima mais cobiçada das crianças, a chucha. Graças a uma receita secreta, herança de família, Ti Maria Caniça aproveitava para juntar “mais alguns pintos no canto do baú,” vendendo chupas embrulhados em papel colorido, que fabricava no recolhimento da enfarruscada lareira.

Passaram os anos, passaram as modas. Os chicletes, as gomas, os rebuçados e os novos chupas de múltiplos sabores tornaram obsoletas as velhas chuchas de açúcar caramelizado. Também as pernas acabaram por trair a vontade de Ti Maria Caniça que um dia, depois de muito matutar, tomou uma decisão inadiável. Ficou à espreita, atenta à chegada do vizinho, porque tinha algo de muito importante a lhe comunicar. Ainda nem tinha tirado o casaco logo o vizinho, Rui Rodelo de seu nome, ouviu a Ti Maria perguntando se podia entrar.
– Entre mulher, que esta casa é sua – terá dito o Rui, surpreendido com o ar apressado da velhota – Então, está precisada de alguma coisa?”
E ela respondeu que sim, que estava precisada de lhe passar um segredo.
– Um segredo?!
– Sim, um segredo que muito me ajudou na minha vida e que não quero levar para a cova. Vou ensinar-te a receita das chuchas, talvez te sirva como me serviu a mim.
Foi assim que Rui Rodelo, da Quinta do Gordo, aprendeu que com água, açúcar e vinagre, tudo misturado em doses certas e fervendo o tempo adequado, podia fazer o chupa-chupa tradicional.
Encontrei-o na FIACOBA, com a cafeteira ao lume e os cones de papel alinhados, enquanto um cheirinho a vinagre anunciava a eminência de mais um momento de alquimia. Não resisti a revisitar um sabor único, capaz de me fazer recuar aos tempos da doce infância. Tudo por apenas cinquenta cêntimos. Sem corantes nem conservantes.

Belino Costa



3 comentários:

  1. Anónimo19:27

    A banca do sr. Rui Rodelo foi uma das atracções da feérica FIACOBA. È o que se pode dizer não há intermediários na venda. O rebuçado= sai directamente do produtor para o consumidor, sempre fica mais barato. Mas o sr. Rodelo é um especialista na arteda gastronomia.

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  2. O amigo Rui Rodelo é senhor da arte de preparar a costela de carne marinhôa, a que chama "bafo de boi".
    Bafo, porque a costela é embrulhada em metros e metros de papel de prata e depois metida na grelha dum bidão durante umas 4 horas. A parte superior do bidão é "abafada" por uma espécie de chaminé em funil, o que permite uma cozedura lenta.
    Falei disso no NB, num texto sobre a Feira de Gastronomia da Mamarrosa, em 7/8/2005.
    Esta arte terá raízes na América do Sul e está ligada ao mundo rural, o que torna mais sedutor e atractivo os sabores de outros povos.
    O Rui Rodelo é um dos grandes defensores das nossas tradições e por isso merece o apoio de todos.

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  3. Anónimo18:17

    apoiado!!!

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