31 de dezembro de 2006

NOITE DE S. SILVESTRE - OUTRORAMENTE


Natal, S. Silvestre e Reis [1]
Estas três festas – de Natal, fim de ano e dia de Reis também na tradição local se apresentam intimamente entrelaçadas, como que formando um todo apesar das suas expressões diversas. Aliás, não é só nesta região que se assinala tal particularidade, pois o mesmo tem sido notado noutras regiões do país por eminentes folcloristas.

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Com a festa do fim de ano – ou noite de S. Silvestre, como também é conhecida neste meio rural – já aparece maior soma de genuínas qualidades locais. É compreensível. Ninguém quer deixar de se despedir adequadamente do «ano velho» – quase sempre mau – e receber o «novo» – sempre bom, prometedor – na soleira da porta do tempo.


Cada qual despede-se de um e recebe o outro de acordo com os hábitos da sua família e da sua região. Resulta daqui um conjunto de usanças interessantíssimas que, recolhidas e estudadas, revelaria as várias tradições existentes em cada região.


As festas tradicionais da noite de 31 de Dezembro assinalam-se aqui com novas ceias de confraternização (diferentes das ceias natalícias porque estas são estritamente familiares e aquelas já permitem a inclusão de não familiares, simples conhecidos ou até pessoas estranhas), por bailes populares e por toda a sorte de diversões mais ou menos improvisadas. Acontece, assim, que as ceias de Natal, sendo domésticas, são «grátis», enquanto as de fim de ano podem ser pagas e decorrer em salão público.


Entretanto, pelas ruas cobertas de alvo luar (a dizer que Janeiro vem aí) e batidas pelo gume seco do frio, cruzam-se diversos grupos de foliões, talvez com pouco dinheiro, que vão para esta ou aquela adega, onde acendem no centro uma fogueira de molhos de vides para assar as castanhas que hão-de «fazer a boca» para o vinho.


Uns grupos encaminham-se para os bailes e outros ficam-se, entre risadas de comunicativa alegria, por tabernas e cafés. Neste serão, ninguém mostra vontade de ir dormir.


Chegada a meia-noite, saltam as rolhas das garrafas, trocam-se brindes, formulam-se votos e fazem-se projectos. Deitam-se foguetes para cantar vitória.


Algumas pessoas supersticiosas aproveitam o momento exacto para, a escondidas, devassar a impenetrabilidade do futuro com práticas esquisitas, muitas delas à roda de fogueira, teimando em adivinhar o que lhes vai trazer o Ano Novo.


Quando o ano «velho» se extingue no derradeiro segundo, um brado sai de cada boca para entrar no clamor geral. As máquinas de destilação do bagaço (estamos, lembre-se, numa região vinícola) apitam a toda a força. Mais foguetes estoiram. Badalam os sinos em repiques. Soam chocalhos e buzinas. Algumas pessoas não perdem a oportunidade e descartam-se de trastes velhos.

Uma barulheira enorme eleva-se por aqui e quebra o cristal da noite, para se misturar adiante com novos clamores, estendendo-se sempre, colina após colina, até se dissolver no olvido da lonjura.

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[1] Com a devida vénia, NB cola-se a Arsénio Mota, Recordações do Berço, capa de Isa Ventura, Bustos, 2003. Edição do autor.[Oferta conjunta do Autor e da Junta de Freguesia de Bustos.(a)]

(a) Para dissipar quaisquer dúvidas provenientes da interpretação do conteúdo inserto no fundo da página 4 do livro, esclarece-se que a edição foi totalmente custeada por Arsénio Mota que a ofereceu ao Povo de Bustos, cabendo à Junta de Freguesia de Bustos proceder à sua distribuição gratuita. srg.

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Um Bom Ano de 2007.

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