16 de novembro de 2006

2-“REPÚBLICA”: MAIS DO QUE UM JORNAL, UM IDEAL



Durante a ditadura do Estado Novo os republicanos de Bustos encontraram várias formas de resistência e de afirmação dos valores democráticos ainda que sob a atenta vigilância da polícia política de Salazar. Um desses sinais, assumida declaração política, passava pela assinatura do jornal “República,” fundado por António José de Almeida. Mas a ligação com o jornal de Lisboa não passava por uma mera assinatura, assumia uma vertente de verdadeira militância republicana. É assim que alguns assinantes, entre os quais Mário Reis Pedreiras e Vitorino Reis Pedreiras, recebiam cartas do então director do jornal, Carvalhão Duarte, solicitando apoio. Em Fevereiro de 1958 escrevia Carvalhão Duarte:
“Prezadíssimo Amigo:
Com os meus melhores cumprimentos aqui volto a dar-lhe maçada, do que lhe peço muita desculpa. Mas nesta batalha em que nos empenhamos para fazer viver a “República” é para os amigos que temos de apelar.
Vai em breve a essa localidade o nosso redactor de publicidade, Sr. José Viegas. Com o maior interesse lhe peço o favor de o ajudar, apresentando-o mesmo aos nossos correligionários, de modo a que ele consiga arranjar o maior volume possível de anúncios.
Agradecendo tudo quanto possa fazer, com vivas saudações creia-me correligionário
Muito grato e amigo
Carvalhão Duarte.”

A ajuda na recolha de anúncios e assinantes, o apoio monetário para a compra da rotativa do jornal foram também uma forma de resistência à ditadura e de afirmação política de muitos bustuenses porque, tal como escrevia Carvalhão Duarte em carta de 12 de Maio de 1960, “não esmorece o nosso entusiasmo e desejo de vermos as instituições republicanas seguir os trilhos da Liberdade e da Democracia, por que seguem quase todas as nações do mundo.”

Mas o jornal não se limitava a pedir o apoio e colaboração dos assinantes, incentivava à celebração dos valores republicanos. E aquilo que a censura impedia que fosse publicado em letra de imprensa chegava a casa de alguns em papel de carta. Com data de Setembro de 1958 a missiva de Carvalhão Duarte lembrava a aproximação de mais um aniversário “da gloriosa revolução de 5 de Outubro” escrevendo:
“Em todos os momentos e em todas as circunstâncias tem este jornal feito da defesa da República, da Liberdade e da Democracia, a sua patriótica e permanente batalha. No meio das duras e imensas dificuldades que se lhe têm oposto este jornal jamais deixou de ser a tribuna, o lar, o forte elo de união e organização da família republicana democrática do País.
Compreendemos, por isso, ser nosso dever lembrar e pedir a quantos mantêm firme a sua confiança nas instituições e nos ideais triunfantes em 1910, que não deixem passar em silêncio a data de 5 de Outubro.
Muito ou pouco julgamos indispensável que alguma coisa se faça, como prova de que a consciência republicana não está indiferente, nem adormecida.”

Em resposta ao apelo do director do jornal os republicanos de Bustos reuniram-se em casa do Dr. Santos Pato, na Barreira, para organizarem os festejos. Mas tudo teve ficar por uma salva de morteiros lançada, clandestinamente, logo pela madrugada. Nesse ano, até os festejos do 5 de Outubro Salazar proibiu.
Assinar, ler e apoiar o “República” foi um acto de afirmação política, de orgulho republicano, de oposição à ditadura. Numa sociedade de partido único o jornal foi “o elo de união e organização da família republicana democrática.”

BC

2 comentários:

  1. Anónimo13:38

    Que melhor embaixador poderia trazer a personalidade do republicano militante Manuel Reis Pedreiras à galeria dos notáveis de Bustos? Tinha de ser o «República»! O «espeleólogo» Belino Costa, qual argonauta, entra no ‘reino cavernoso’ esquecimento, vence as forças da distorção do passado e exibe um dos fautores do palácio da liberdade e da criação da freguesia de Bustos, Manuel Reis Pedreiras.
    Para se escrever sobre o «República» em Bustos nos idos de 1956, tem de se falar em Arsénio Mota, então ‘colaborador e correspondente deste jornal’, então à espera de uma vaga para lá entrar, que não efectivou por ter surgido convite para estagiar no saudoso serviço das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian (Águeda) e que declinou’ em prol da vinda para o «Jornal de Notícias», do qual... já era na altura colaborador regular...’.
    À época, havia Bustos um forte nicho de republicanos da resistência ao regime de Salazar, daí haver um apreciável número de assinantes do «República». E ‘constava que a PIDE fazia registo de todas a gente que recebia o jornal pelo correio’. Vivia-se o tempo em que o nihil obstat paria obras para o sarcófago do índex.
    Para quando as memórias de Arsénio de Bustos, actor e militante do lado da trincheira da resistência ao regime de Salazar?

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  2. Anónimo17:04

    Errata: onde está: "Para se escrever sobre o «República» em Bustos nos idos de 1956,... Leia-se '1958'

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