15 de novembro de 2006

1-“REPÚBLICA”: A MORTE DE MANUEL REIS PEDREIRAS




Corria o ano de 1959. Na sequência das “eleições” presidenciais do ano anterior – quando ao regime não bastou a censura e a falta de liberdade, pois teve necessidade de recorrer à fraude eleitoral para impedir a vitória de Humberto Delgado – o Estado Novo intensificou a repressão. Nem a mais ténue oposição era tolerada. Até o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, apenas porque numa carta teceu fortes críticas ao regime, foi condenado ao exílio, de onde só regressou depois da morte de Salazar.

Vítima dessa onda repressiva também Manuel Reis Pedreiras, sob a acusação de ter distribuído propaganda política subversiva, esteve preso durante um mês nos cárceres da polícia política, em Coimbra.
“Mas como estava doente acabaram por o mandar para casa, diziam que ele estava arrumado. Ele veio para morrer…” (1)

E, na edição de 6 de Junho de 1959, o jornal “República” invocava o funeral do “ combatente cheio de optimismo e de fé nos princípios democráticos”. A notícia, inserida juntamente com uma reportagem de duas páginas e meia (texto e publicidade) dedicada a Bustos, dizia:


“O funeral do Sr. Manuel Reis Pedreiras, ocorrido, em Bustos, no dia 16 de Março último, foi uma grandiosa manifestação de pesar, tendo-se incorporado algumas centenas de pessoas de todas as camadas sociais vindas de toda a parte do distrito de Aveiro e de Coimbra, amigas e admiradoras do saudoso morto.
É que Manuel Reis Pedreiras soube cativar amizades e simpatias, tendo trilhado sempre o caminho da honra e do dever e mantido firme o seu ideal republicano. Era um combatente cheio de optimismo e de fé nos princípios democráticos. Socorria os pobres e estava presente em todas as causas justas. Motivo porque a sua morte foi muito sentida.
Foi mais um grande cidadão e republicano que desapareceu, e, invocando a sua memória, curvamo-nos respeitosamente.”

Foi tudo quanto a censura deixou passar.

BC

1- Amaral Reis Pedreiras em entrevista ao “NB”

2 comentários:

  1. À data da morte de Manuel Reis Pedreiras eu tinha 11 irrequietos anos. Tenho ainda gravado na memória a homenagem que lhe foi prestada no cemitério, com discursos feitos através de altifalantes. Eu e mais alguém que não recordo (Franklim?, Cazé?, James?, Beto?) empoleirámo-nos no muro norte do cemitério a olhar para a multidão que rodeava a urna, em jeito de ver e ouvir (sem escutar) os discursos.
    Comentava-se que, à mistura, havia uns asquerosos Pides, que era preciso controlar as consciências e anotar os nomes dos subversivos, dos "perigosos comunistas".
    Dez anos depois, na Coimbra de 69, em plena greve académica que vivi bem por dentro, conheci-os mais de perto, senti-lhes até o hálito mal cheiroso, o aspecto abrutalhado e bronco.
    Juro que não os temia, os olhava cara a cara, ar triunfante, quem sabe por ter deixado o medo em Bustos, nas ousadas aventuras da meninice, que o meu grupo impunha uma espécie de terrorismo de rua (e de quintal!), de intifada.
    Nada nos escapava: o mulherio da nossa idade, que perseguíamos qual talibans; a fruta dos quintais; as rãs dos poços, mortas à fisga e com espingarda de pressão de ar; a passarada, em especial as pombas do Jó (que depois, grelhadinhas no fogareiro, ele vinha comer sem o saber); os frangos do Ti Manuel da Barroca que, empoleirados na vizinha casa do dr. Assis, apanhávamos com cana de pesca, bago de milho no anzol e depois o assador Beto temperava à Piri-Piri.
    *
    Tempos de Tempestade, à mistura de Bonança, que a vida é feita de tradições e contradições, de avanços e arrecuos, derrotas e vitórias, de presenças e de ausências.
    Quantas vidas não vivemos!!

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  2. Anónimo14:04

    Outra peça a completar o puzzle da nossa história. Penso que este Blog já pode dar um livro de memórias de Bustos. Pensem nisso.

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