12 de setembro de 2006

O AUTOMÓVEL DO SENHOR VISCONDE

O automóvel do Sr. Visconde com Júlio Barreiro, ao volante, tendo ao lado o Fabiano, da Póvoa.

No banco traseiro vê-se Manuel Ala e duas senhoras não identificadas

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Depois de implantada a República António Duarte Sereno continuou a ser cerimoniosamente tratado por Senhor Visconde (título com que foi agraciado em 1908). Nem os seus adversários políticos, por mais republicanos que fossem, deixaram de o tratar com tal deferência. Pois se o título fora devidamente pago pertencia ao homem, era propriedade incontestada, independentemente da abolição da Monarquia.

Quem não se conformou com as mudanças do 5 de Outubro de 1910 foi o Senhor Visconde que logo se empenhou na luta contra a República, tendo-se envolvido em vários golpes e atentados contra o novo regime, motivos que o levaram a passar curtas estadias na prisão. O jovem regime era generoso para com os seus adversários. A ponto de “O Democrata”, semanário republicano de Aveiro, escrever com manifesta ironia na edição de 19 de Abril de 1919:

“Continuam a esgueirar-se dos presídios onde se encontram os responsáveis pela última aventura monárquica. Como meio de não darem trabalho ao governo achamos óptimo”

Foi por essa época que António Duarte Sereno passou, provavelmente, o pior momento da sua vida de conspirador anti-republicano. Aconteceu com a queda da Monarquia do Norte, também conhecida por traulitânea, quando o exército monárquico de Paiva Couceiro foi derrotado no combate das Barreiras, em Águeda (mais precisamente entre Recardães e Serem). Corria o mês de Janeiro de 1919 e naqueles dias de incerteza o medo tomou conta do povo:

“Passam-se dias de pânico porque a fuzilaria e o canhão troam e as horas são incertas. A toda a pressa se mobiliza tudo. O Estado-maior mandou evacuar as casas próximas de Monte Castro (Anadia), essas famílias vieram para casa de familiares que tinham em Vagos e daí surgiu a ideia que os boateiros aproveitaram; que uma linha de homens vinha do sul para o norte com o fim de agarrar todos os homens válidos para irem para a guerra. Eu andava no trabalho e desconhecia tudo o que se passava. Fui chamado pela minha mãe que me mandava regressara casa para fugir, era o recurso que havia. Regresso e o que vejo! – Pelas ruas de Bustos era o maior dos pavores, homens que corriam no sentido norte, mulheres e crianças numa gritaria intensa, davam a impressão de loucas e possessas, ou era como esperassem as ondas de um novo dilúvio, tal era o seu pranto vincando as suas faces aterrorizadas.” (VRP, Memórias, pag 29,30)

Enquanto em Bustos se multiplicavam os gritos, a fuga desesperada e tonta, na estação de Caminhos-de-ferro de Oliveira do Bairro Jacinto Simões dos Louros, por seu “oferecimento ao comando militar do 2º Regimento de Setúbal”, juntamente com um grupo de civis (Grupo de Defesa da República), fazia a descarga do material de guerra para ali enviado pelas tropas fiéis à República, assim contribuindo para uma decisiva vitória.

A derrota do exército monárquico constitui um duro golpe nas ilusões restauracionistas de António Sereno que, por temer represálias, fugiu de Bustos, partiu no seu automóvel a toda a pressa, indo refugiar-se em terras de Espanha. Júlio Barreiro (Cagarote), seu mecânico e motorista, conduziu o Chevrolet na viagem mais tensa e perigosa que alguma vez realizara.
Não sabemos em que ano foi comprado o automóvel mas, a avaliar pela fotografia, tratava-se de um Chevrolet 490, de 1916, cuja sigla correspondia ao preço de catálogo. Dispunha de um motor com quatro cilindros, uma cabine para cinco pessoas com volante à esquerda, jantes de madeira, refrigeração por água, estando dotado de instalação eléctrica. Uma máquina que não falhou no decisivo momento da fuga para Espanha.

Belino Costa

1 comentário:

  1. Anónimo20:03

    12.9.06 - O AUTOMÓVEL DO SENHOR VISCONDE
    Alguns breves:
    a) A foto vem enriquecer o tombo de Bustos. Pela oportunidade e a propósito da Foto-álbum: A Loja do Visconde, editada por BUSTOS – do passado e do presente
    Em março 20, 2005, transcrevo os comentários:
    – de Arsénio Mota
    ‘Eis uma foto rara, preciosa! Rara porque data de Bustos, 1909; preciosa porque, podendo ser única, é documento visual de trajes, figuras locais, comportamentos e talvez de costumes. O blogue ganhou como arquivo! E... venham mais! Enviado por Arsénio Mota em março 21, 2005 03:06 PM’
    – de Vanda Rafeiro:
    ‘Só como curiosidade e feliz coincidência: o fotógrafo mencionado ANTÓNIO NUNES RAFEIRO era o meu bisavô paterno (nascido em 1866 e falecido em 1929)... mal sabia eu que também o seu caminho o tinha levado até Bustos! Enviado por Vanda Rafeiro em março 22, 2005 12:12 PM’

    b) - Júlio Barreiro (JBº) aprendeu mecânica com uma bolsa do senhor Visconde, JBº merece ter um retrato na galeria do NB. Montou um carro reunindo componentes de marcas diferentes. Os automóveis não tinham segredos para ele…
    b) O Fabiano da foto será o Manuel ou o seu irmão Sebastião?
    (sérgio micaelo ferreira)

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