15 de agosto de 2005

PROCISSÃO DE S. LOURENÇO: UM ACTO DE FÉ, DE TRADIÇÕES..e algumas contradições


Teria de remexer bem o meu baú das recordações de menino e moço para relembrar ao pormenor a Procissão de S. Lourenço e toda a sua parafernália de ritos e símbolos físicos.
Confesso que guardo melhor na memória o que chamávamos, nos princípios de 60, de “Santo Sacrifício da Saída da Missa”: era no adro da velha Igreja com inscrições setecentistas que ansiosamente aguardávamos a saída das beldades, sacrílego acto que mais não era do que o despontar da rebeldia de quem começava a conviver mal com tempos de tamanha contenção e fome da outra…
Mas ontem, confesso-vos, tirei a barriga de misérias. Soube-me bem reentrar nos meandros da antiquíssima tradição da procissão do padroeiro de Bustos, o nosso querido S. Lourenço, mais tarde consorciado ao também muito nosso Santo António, decisão tomada há uns 15 anos pelo Povo das festas e romarias por razões que julgo ligadas a regras de economia festeira.

Mas vamos ao que interessa: a profanada procissão do S. Lourenço:
Já passava bem das 5 horas da quentíssima tarde e terminada que foi a longa e concorrida missa, quando a procissão se pôs a caminho, iniciando o percurso na muito nossa Praça Vermelha.
O extenso cortejo seguiu pela rua de S. Lourenço, virou à direita para a rua 18 de Fevereiro, Barreira abaixo, onde contornou o novíssimo cruzeiro que a Sra. Junta teve o cuidado de inaugurar no dia do padroeiro e em ano de eleições autárquicas.
Dada a volta ao reluzente cruzeiro de calcárea pedra, a concorrida procissão subiu a mesma 18 de Fevereiro até reentrar na Igreja, não sem voltar a pisar a Praça Vermelha, esse novo ex-libris da freguesia de todos nós.

Abriu a procissão a fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, seguida dos guiões das Irmandades de Bustos (1), Mamarrosa (2) e Troviscal (1). Vinham a seguir os estandartes ou bandeiras das seguintes Irmandades: de S. Lourenço e de Santo António (ambas de Bustos), de S. Simão da Mamarrosa (2), de S. Bartolomeu do Troviscal (2) e as de S. Martinho da Amoreira da Gândara (2), estandartes estes que, como se viu, vinham desacompanhados do respectivo guião.
Uma falta que tenho pouca vontade de perdoar, como não sou de perdoar aos aguerridos vizinhos da Palhaça, ao que se diz zangados com a organização dos nossos festejos por razões que os cristãos deveriam ultrapassar ou, vá lá, resolver no segredo do confessionário.
Mas adiante, que a procissão não pode parar: é o ritmo que se perde e com ele o belo impacto que o ritual transmite aos nossos olhos e aos corações.
Foram essas as maiores preocupações dos dois mandantes da procissão: o Manuel Grangeia, que é o Juiz da Irmandade e o Manel Francês, Juiz da Confraria, que sabem da poda e se dão ao respeito.

Atrás dos estandartes vinham os 10 andores, tantas são as Santas e Santos que protegem a nossa freguesia e que passo a ordenar: N.ª Sra. do Leite (também chamada do Ó) e N.ª Sra. de Fátima (ambas adstritas à Igreja); S. João (santo do Sobreiro e da total devoção desse penitente pagão que é o Milton Costa); N.ª Sra. dos Emigrantes, da Azurveira; S. Martinho, do Cabeço; N.ª Sra. das Necessidades, da sobreirense rua dos Vieiras; N.ª Sra. da Saúde, da capelinha da Barreira, que ali convive mal com o controverso “S. Gregório” e do qual falarei mais abaixo; Sr. dos Aflitos, da Póvoa e, finalmente, o Santo António e o S. Lourenço, estes também sediados na Igreja e os verdadeiros padroeiros da festa.

Atrás do S. Lourenço caminhavam solenemente os Arautos de Fátima, também apelidados de Oratórios de N.ª Sra. do 3º Milénio, companheiros estes que eram seguidos do estandarte em metal bem pintado do S. Miguel, quadro que data de 1966 e faz lembrar a iconografia ortodoxa. Desde há 3 anos que este padroeiro passou a acompanhar a procissão, que isto de solidificar a fé também se mede pela profusão dos seus ícones e água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

O Orfeão de Bustos vinha logo a atrás do S. Miguel, a ponto de eu ter chegado a pensar que alguém tinha encontrado o novo guardião das cristalinas vozes dos nossos orfeonistas; o presidente Belinquete apressou-se a desmentir-mo ia a procissão a chegar ao recém inaugurado cruzeiro da Barreira.

A fechar a parte sacra da procissão e imediatamente antes do pálio debaixo do qual imperava o nosso Padre Arlindo, ladeado pelos seus 2 acólitos, vinha a cruz do Senhor. A excelente Banda de Música da nossa Mamarrosa encerrava o cortejo.

Ao invés da cruz, a sagrada custódia, essa, só sai nas procissões do Santíssimo Sacramento e sem os andores dos Santos. A Igreja tem as suas regras e apesar de alguma maleabilidade, há limites que não podem ser ultrapassados.
Que o diga o Povo da Barreira! Depois do seu S. Gregório ter participado em várias procissões (chegou a ser levado ao colo, sem direito a andor e até a entrar na procissão quando ela já estava no adro), este ano a Igreja não transigiu: o S. Gregório foi saneado, que ele nem beatificado ainda está, quanto mais santo, diz o Padre Arlindo e com razão.

A Barreira é que não esteve pelos ajustes: se o S. Gregório não vai à procissão, pois a procissão há-de vir ao S. Gregório!
E foi o que aconteceu, como bem ilustra a foto ao lado: guiões, estandartes, santas e santos (mesmo os mais pecadores), cruzes, padre, acólitos, pegadores de pálio, meninos vestidos de anjinhos, à S. João ou à 3 pastorinhos, aguadeiros, tocadores, cantadores e demais seguidores da procissão, todos deram a volta em seu redor.
Bastou-lhe esperar de pé, na base do novo cruzeiro da Barreira, bem rodeado de lindos e frescos cravos de vermelho-tinto!
Queriam melhor homenagem ao S. Gregório?
Julgavam que levavam a melhor ao bom Povo da Barreira?
Estão “muito mal enganados”!
O S. Gregório pode não ter entrado na procissão, mas lá que foi ele a marcar o passo da dita, isso ninguém lhe pode negar!

E VIVAM OS SANTOS POPULARES do nosso encantamento!!
*
Oscar de Bustos

7 comentários:

  1. Anónimo14:12

    A procissão foi um sucesso. O beato Don Gregório Hernandez ainda não é bem visto pelas "defensores de sactristia". Basta perguntar aos emigrantes da Venezuela o prestígio que o Dr. Gregório tem na Igreja...
    A procissão era encerrada pelos fiéis e não pela banda.
    ... Da foto tirada na Praça Vermelha, vê-se a frente da Nova-Velha Igreja. Estão lá os símbolos da vida de S. Lourenço....

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  2. Anónimo14:43

    Não sei se José Gregório Hernandez é ou não santo. A Igreja Católica considerou-o digno de veneração em 1986, mas não consta da lista de potenciais santos (beatos) da Igreja, tal como consta já Madre Teresa de Calcutá (agora Santa Teresa de Calcutá). Gregório parece ter sido um homem bom, que na qualidade de médico tratava os pobres gratuitamente. Morreu como morreram Pierre Curie (Prémio Nobel da Física) e António Gaudi (Arquitecto genial de Barcelona) atropelado ao atravessar uma rua de Caracas. Ia distraído a pensar em enfermos ou em Deus.
    Este homem venerado pelos Venezuelanos e por muitos Bustoenses que viveram e trabalharm na Venezuela não é, na realidade Santo da Igreja Católica, e o Padre Arlindo não podia, dum ponto de vista eclesiástico, permitir que ele juntasse à procissão, mas como homem podia deixá-lo passear as ruas da freguesia acompanhado e outros santos.
    O Padre Arlindo esquece que muitos santos venerados hoje pela Igreja, parece nem terem existido ou sabe-se tão pouco sobre a vida deles que não se pode fazer juizo sobre as suas convicções religiosas ou as suas ligações com o Céu.
    Como disse o Óscar sou um verdadeiro devoto de São João Baptista que se sabe ter batizado Jesus e ter sido muito provavelmente o mentor de Jesus. Sem S. João não haveria batismo, sem S. João talvez nem houvesse Jesus Cristo. A história “Antiguidades dos Judeus” de Josephus Flavius (Joseph ben Mattathias), um judeu romanizado, fala mais sobre João Baptista do que sobre Jesus de Nazaré. É Josephus que nos fala de Salomé, enteada de Herodes Antipas e que mandou degolar João.
    De qualquer maneira, S. João Baptista é o padroeiro do Sobreiro e era conhecido por S. João do Toledo (de tolos, porque as pessoas andavam todas tolas nesses dias do Solstício do Verão). Agora a capela antiga foi destruída e a festa até mete missa. O pobre do S. João era capaz de preferir andar pelos montes da Judeia a comer gafanhotos e a ver ao longe uma Samaritana.

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  3. O espaço tem de ser gerido. Faltou dizer muito sobre a procissão.
    De propósito, não falei dos fiéis que encerravam a procissão.
    Parece-me cada vez mais relevante a participação dos fiéis (e não só) que vivem a procissão da berma das ruas. Até conheço uns artistas que a vivem há muitos anos, postados à porta do Kim da Ti Maria...

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  4. Anónimo15:19

    Dos santos António, João ou Francisco, entre tantos outros, incluído Jesus, pode-se dizer tudo porque é tudo graças a Deus. Mas quando os assuntos começam a ser estudados a sério, os (bons) livros a empilhar-se diante da pessoa, as dúvidas crescem e as certezas, apoiadas na fé, vão ao ar como foguetes! Mais vale, portanto, repetir as lérias que todos repetem...

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  5. Anónimo17:26

    Perdoa-lhes Senhor, que eles não sabem o que dizem!!!!

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  6. Anónimo14:24

    quando será meus senhores que será algo bem feito em Bustos???? Nas vossas bocas nunca!!!!!! eu como cidadão da FReguesia convidava Vossas ilustres Exas a fazer algo para que eu com os meus 28 anos possa finalmente ver criticos a trabalhar

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  7. Quase 11 anos depois, uma aparentemente banal 7ª Assembleia-Geral da comunidade conhecida por "Guardiãos dos Sabores vai trazer à colação o ritual das Irmandades.
    Quem imaginaria em 2005 uma rede social, tipo facebook?
    Somos mesmo uns incréus!

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